Despedida
"Sobre nossa casa, de Jorge e minha, na rua Alagoinhas, 33, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador da Bahia, muito já se disse, muito se cantou. Citada em prosa e verso, sobra-me, no entanto, ainda o que dela falar. Fico pensando se alcançarei escrever todas as histórias, tantas, de gente e de bichos que nela passaram nesses quarenta anos lá vividos. Neste momento, quando me despeço do lugar onde passei o melhor tempo de minha vida, ao deixar Jorge repousando sob a mangueira por nós plantada no jardim, mil lembranças afloram-me à cabeça. Lembro-me de coisas que para muitos podem parecer tolas, mas que para mim não são.Lembro-me, por exemplo, de duas mimosas lagartixas que viviam atrás de um quadro de Di Cavalcanti, acima da televisão da sala, e que tanto nos divertiram. Um belo dia elas apareceram, sem mais nem menos: uma toda rosada, quase transparente; a outra com listras escuras em volta do corpo. Jorge foi logo escolhendo: 'A zebrinha é minha.' A mais bonita, pois, ficou sendo a dele. A outra, que jeito? De dona Zélia.Recostados em nossas poltronas, após o jantar, para assistir aos noticiários de TV, vimos, pela primeira vez, as duas saírem de seu esconderijo, uma atrás da outra, direto para uma lâmpada acesa, do alto, reduto de mosquitos e de bichinhos atraídos pela luz. - Elas agora vão jantar - disse Jorge.Dito e feito: as duas se aproximaram docemente da claridade, estancaram a uma pequena distância da lâmpada e, imóveis, na moita, só observando. De repente, o bote fatal foi desfechado e lá se foi um dos insetos para o bucho da lagartixa de Jorge. Diante do perigo, quem era de voar voou, quem era de correr, correu, lá se foram os bichinhos, não sobrou um pra remédio, o campo ficou limpo.Estáticas, as duas sabidas aguardaram pacientes a volta das vítimas, que, inocentes, aos poucos foram criando coragem e se chegando para, ainda uma vez, cair na boca do lobo. Ainda uma vez o lobo foi a zebrinha, que, como num passe de mágica, abocanhou um mosquito. Encantado, Jorge ria de se acabar, provocando-me: 'A tua não é de nada!'. Eu protestei e ele riu mais ainda. Brincadeira boba, inocente, passou a ser nosso divertimento durante muitas e muitas noites, muitas e muitas noites voltamos à nossa infância".
Zélia Gattai
6 Comments:
LITERALMENTE um AMOR PURO desses que não vemos mais em qualquer lugar, mas que eu continuo acreditando que exista!
Bjss
Hoje fiz 21 anos de casada Carolina e me sinto tão feliz como o primeiro dia. Fiquei encantada em ver esta fotografia do Jorge e D. Zélia. Os conheci pessoalmente lá em casa deles, mas a casa de Itapoã em Salvador. Depois, encontrei Jorge Amado outra vez em Portugal e quando me viu falando baiano, me disse, "Menina, ainda bem que você está aqui. Imagine que eles não sabem onde eu posso comprar o Jornal da Bahia ou A Tarde, pode??".
Agora, vai a D. Zélia ao encontro dele. Mulher maravilhosa que me explicou o livro do "Mar morto" que o marido escreveu... Confesso que não me lembro das suas palavras, ou explicação, mas lembro da sua amabilidade, do seu convite para beber um suco de manga e de me levar até a porta, como se fosse uma pessoa comum, que para mim, não era. Jamais esquecerei o momento mágico que ali passei, comum era eu!
Amor além do amor!
Valor nos pequenos detalhes!
Vida ! Simplesmente vida!
lindo
um amor desses que eu quero pra mim...
pena ela ter ido, mas foi de encontro a ele né?
=)
Incrível o verdadeiro amor,que se diverte até com "simples" lagartixas!
Bjoooooooo!!!!!
Carol,
O amor é para sempre....
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