terça-feira, 20 de maio de 2008

Reencontro...do amor!

Título: Memorial do Amor

Despedida

"Sobre nossa casa, de Jorge e minha, na rua Alagoinhas, 33, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador da Bahia, muito já se disse, muito se cantou. Citada em prosa e verso, sobra-me, no entanto, ainda o que dela falar. Fico pensando se alcançarei escrever todas as histórias, tantas, de gente e de bichos que nela passaram nesses quarenta anos lá vividos. Neste momento, quando me despeço do lugar onde passei o melhor tempo de minha vida, ao deixar Jorge repousando sob a mangueira por nós plantada no jardim, mil lembranças afloram-me à cabeça. Lembro-me de coisas que para muitos podem parecer tolas, mas que para mim não são.Lembro-me, por exemplo, de duas mimosas lagartixas que viviam atrás de um quadro de Di Cavalcanti, acima da televisão da sala, e que tanto nos divertiram. Um belo dia elas apareceram, sem mais nem menos: uma toda rosada, quase transparente; a outra com listras escuras em volta do corpo. Jorge foi logo escolhendo: 'A zebrinha é minha.' A mais bonita, pois, ficou sendo a dele. A outra, que jeito? De dona Zélia.Recostados em nossas poltronas, após o jantar, para assistir aos noticiários de TV, vimos, pela primeira vez, as duas saírem de seu esconderijo, uma atrás da outra, direto para uma lâmpada acesa, do alto, reduto de mosquitos e de bichinhos atraídos pela luz. - Elas agora vão jantar - disse Jorge.Dito e feito: as duas se aproximaram docemente da claridade, estancaram a uma pequena distância da lâmpada e, imóveis, na moita, só observando. De repente, o bote fatal foi desfechado e lá se foi um dos insetos para o bucho da lagartixa de Jorge. Diante do perigo, quem era de voar voou, quem era de correr, correu, lá se foram os bichinhos, não sobrou um pra remédio, o campo ficou limpo.Estáticas, as duas sabidas aguardaram pacientes a volta das vítimas, que, inocentes, aos poucos foram criando coragem e se chegando para, ainda uma vez, cair na boca do lobo. Ainda uma vez o lobo foi a zebrinha, que, como num passe de mágica, abocanhou um mosquito. Encantado, Jorge ria de se acabar, provocando-me: 'A tua não é de nada!'. Eu protestei e ele riu mais ainda. Brincadeira boba, inocente, passou a ser nosso divertimento durante muitas e muitas noites, muitas e muitas noites voltamos à nossa infância".

Zélia Gattai

6 Comments:

Anônimo said...

LITERALMENTE um AMOR PURO desses que não vemos mais em qualquer lugar, mas que eu continuo acreditando que exista!

Bjss

Joice Worm said...

Hoje fiz 21 anos de casada Carolina e me sinto tão feliz como o primeiro dia. Fiquei encantada em ver esta fotografia do Jorge e D. Zélia. Os conheci pessoalmente lá em casa deles, mas a casa de Itapoã em Salvador. Depois, encontrei Jorge Amado outra vez em Portugal e quando me viu falando baiano, me disse, "Menina, ainda bem que você está aqui. Imagine que eles não sabem onde eu posso comprar o Jornal da Bahia ou A Tarde, pode??".
Agora, vai a D. Zélia ao encontro dele. Mulher maravilhosa que me explicou o livro do "Mar morto" que o marido escreveu... Confesso que não me lembro das suas palavras, ou explicação, mas lembro da sua amabilidade, do seu convite para beber um suco de manga e de me levar até a porta, como se fosse uma pessoa comum, que para mim, não era. Jamais esquecerei o momento mágico que ali passei, comum era eu!

Ela said...

Amor além do amor!
Valor nos pequenos detalhes!
Vida ! Simplesmente vida!

Anônimo said...

lindo
um amor desses que eu quero pra mim...
pena ela ter ido, mas foi de encontro a ele né?
=)

Bill Falcão said...

Incrível o verdadeiro amor,que se diverte até com "simples" lagartixas!
Bjoooooooo!!!!!

Anônimo said...

Carol,
O amor é para sempre....